O Mercado de Câmbio Brasileiro: Três Décadas de Transformação sob Minha Perspectiva

Por Vanderson Santana – Especialista em Câmbio com 30 anos de experiência. Ex-BackOffice da Dascam Corretora de Câmbio, AGK Corretora de Câmbio, ex-Analista de Câmbio Sênior do ABN AMRO, ex-Gerente de Câmbio do Banco Itaú e ex-Operador Sênior de Câmbio do Banco Santander Brasil.
Quando entrei no mercado de câmbio, começando no BackOffice da Dascam Corretora de Câmbio, o Brasil vivia outra realidade. Era um tempo de controles rígidos, processos manuais e uma regulamentação pautada na Consolidação das Normas Cambiais (CNC). Cada operação exigia um cuidado extremo: documentos autenticados, protocolos físicos, conferências linha por linha.
A verdade é que o mercado cambial brasileiro, naquela época, era fechado, burocrático e operava sob uma lógica de proteção cambial, ainda resquício das políticas da década de 80, marcadas por inflação alta e crises da dívida externa. A CNC centralizava normas que tentavam manter o controle estatal num ambiente econômico que ainda buscava estabilidade.
Já na AGK Corretora de Câmbio, comecei a perceber as primeiras brechas para uma flexibilização: o mercado começava a experimentar um pouco mais de liberdade, mas ainda era refém da lentidão e da rigidez do arcabouço regulatório. Cada código cambial era um desafio interpretativo, e o relacionamento com o Banco Central era marcado por forte dependência de aprovações e consultas frequentes.
Quando fui para o ABN AMRO, já como Analista de Câmbio Sênior, a dinâmica mudou. Estávamos em plena transição para o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capitais Internacionais (RMCCI). O Brasil já havia vencido a hiperinflação com o Plano Real, e o mercado financeiro respirava outro ar. O RMCCI trouxe organização, clareza e maior proximidade com as práticas internacionais. Como analista, percebi que o câmbio deixava de ser apenas uma questão operacional: era compliance, era risco, era inteligência estratégica.
No Banco Itaú, como Gerente de Câmbio, enfrentei outro tipo de desafio. Precisávamos conciliar volume operacional crescente com maior rigor regulatório. A globalização já era uma realidade consolidada. O mercado internacional demandava rapidez, mas o ambiente regulatório exigia segurança. Foi um período de adaptação e de forte investimento em sistemas, controles internos e processos de due diligence.
Já no Santander Brasil, como Operador Sênior de Câmbio, vivi a chegada da Circular nº 3.691/2013, que consolidou as normas e reforçou o papel das instituições financeiras como guardiãs da integridade do mercado. Essa circular transformou o operador de câmbio em um profissional ainda mais estratégico: não bastava operar, era preciso entender a origem, o propósito e os riscos da operação, num ambiente onde o compliance não era mais coadjuvante, mas protagonista.
E agora, vejo a chegada da Lei nº 14.286/2021, um verdadeiro divisor de águas no mercado cambial brasileiro. A nova lei amplia a liberdade para operações cambiais, reduz controles anacrônicos e permite, por exemplo, o uso do real em transações internacionais, um passo importante na internacionalização da nossa moeda.
Mas essa liberdade vem acompanhada de maior responsabilidade para os agentes do mercado. O compliance se torna mais robusto, o monitoramento mais tecnológico, a rastreabilidade mais sofisticada. As instituições financeiras assumem papel central na validação e integridade das operações, num modelo de responsabilidade compartilhada, mas com foco no ex post, não mais no controle prévio do Banco Central.
Quem, como eu, viu o mercado caminhar da reserva de mercado para a liberdade regulada, entende que o câmbio nunca foi apenas uma operação financeira. É política monetária, é comércio exterior, é diplomacia econômica, é confiança institucional.
Os avanços tecnológicos, como blockchain, criptoativos, pagamentos instantâneos e digitalização completa dos processos financeiros, nos desafiam diariamente. O profissional de câmbio precisa reaprender, se atualizar, e estar sempre à frente das mudanças globais.
Me orgulho de ter passado por cada fase dessa evolução: da burocracia analógica da Dascam e AGK, à visão analítica no ABN AMRO, à gestão estratégica no Itaú, e à operação integrada e veloz no Santander. Cada etapa foi um aprendizado sobre como o mercado cambial brasileiro dialoga com o mundo, com as normas internacionais, com o direito econômico global.
Hoje, olho para o mercado e vejo um ambiente mais livre, mais integrado, mas também mais desafiador. Não basta saber operar. É preciso entender o contexto regulatório, jurídico, econômico e tecnológico que cerca cada transação.
Porque, no fim das contas, o câmbio conecta o Brasil ao mundo. Ele viabiliza negócios, sonhos, oportunidades. E acompanhar essa evolução — como profissional e como brasileiro — é um privilégio.
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